O meu primeiro contacto com o PCB - 1ª parte

Festa da Lua, Lisboa 2010


Local: Casa de Macau, Lisboa

25 de Setembro de 2010

Na minha viagem a Macau, em Julho de 2010, conheci e conversei com várias pessoas da terra que durante as nossas conversas sempre frisaram insistentemente, e tratando-se do interlocutor uma aluna portuguesa de doutoramento a escrever uma tese sobre a comunidade macaense, a importância crucial da gastronomia macaense enquanto elemento único e definidor daquela cultura e identidade. No seguimento desta ideia e quando solicitei contactos de macaenses em Portugal, surgiu imediatamente o nome O Partido dos Comes e Bebes (PCB) e a referência a alguns dos seus mentores e fundadores. Quando eu perguntei que partido era esse, foi-me explicado que se tratava de uma brincadeira de amigos que resolveu fundar um partido que nada tem a ver com a Casa de Macau e cujo objectivo é o de reunir as pessoas da terra em volta de uma boa mesa com comida macaense, aquando das celebrações de acontecimentos que, para este grupo, mais se destacam ao longo do ano. Fiquei muito curiosa e pensei que aquela era uma boa pista a seguir em Portugal. Uma vez de volta, contactei as pessoas que em Macau me tinham sido sugeridas e curiosamente, esse período de contactos estabeleceu-se mesmo antes da grande celebração da Festa da Lua.
Esta é uma das festividades chinesas que, à semelhança do que se passa em Macau, também é celebrada pelos macaenses a viver em Portugal, em casa e fora dela, em grupo e nas festas do Partido dos Comes e Bebes. Depois do meu contacto me falar com entusiasmo desta festa e de toda a sua organização e sucesso em edições anteriores, foi-me sugerido que comparecesse no evento caso a Comissão Organizadora permitisse a minha presença, a presença de um “estrangeiro” acrescento eu. A autorização foi concedida, desde que não estivesse ali como “investigadora” de bloco de notas e gravador em punho, e o meu nome foi colocado na lista de convidados da Festa da Lua Lisboa 2010. A partir daí, foram-me esclarecidas algumas formalidades relacionadas com aquele encontro, nomeadamente, o local onde a festa se iria realizar, no anexo da Casa de Macau e uma vez que o PCB nada tem a ver com a Casa, este é uma espaço alugado para o efeito e a comida tipicamente macaense é encomendada pelo que teria um custo associado e um valor tinha sido acordado entre todos. Também me foi explicado que a festa desse ano, e ao contrário dos anos anteriores, iria ter aquele formato em vez do “cada um traz um prato” como forma de simplificação do processo. O dia chegou e lá fui eu para aquele que seria o meu primeiro momento etnográfico com observação participante e ao mesmo tempo, o meu primeiro contacto com esta comunidade macaense em Portugal. E uma coisa eu tinha aprendido em Macau, levar sempre comigo cartões de visita para fazer futuros contactos.
Cheguei à Casa de Macau e o inevitável receio pela estranheza no olhar que poderia encontrar nos rostos daquela gente, Gente de Macau, chegou comigo. Demorei o meu olhar pelas primeiras pessoas que ali se encontravam sentadas mais perto da porta se por acaso me quisessem interpolar, até porque me tinha sido dito que em relação ao pagamento “não se preocupe porque há-de ser logo esbarrada à porta”, mas tal não aconteceu e avancei sala a dentro. Instantes depois, emerge, do meio da multidão, a pessoa que de imediato identifiquei como sendo o meu contacto prévio e me identificou também, surgindo assim uma cumplicidade espontânea entre nós. Depois dos devidos cumprimentos, ela assumiu o seu papel da “minha mãe de acolhimento” e disse: “venha, venha, que tenho de a apresentar e vamos comer!” E assim foi e os receios e os constrangimentos, foram-se esbatendo.
Fomos buscar pratos e talheres e de seguida fomos percorrendo a mesa do buffet por onde estavam distribuídas várias iguarias da gastronomia macaense às quais ia sendo introduzida tanto ao nível dos nomes, dos ingredientes utilizados na confecção, assim como, quanto à ordem pela qual se deveriam ingerir os alimentos: “agora pode comer assim, nós comemos assim, primeiro as massas com estes molhos de soja e de amendoim e depois, volta-se cá para comer os pratos com arroz.” Com os pratos servidos, o passo seguinte foram as pessoas. Sou então apresentada como a investigadora que está a escrever uma tese de doutoramento sobre os macaenses, os seus hábitos e costumes e a quem eles muito podem ajudar. Entre “este sabe muito sobre Macau, este pode contar-lhe muitas coisas… e esta, ela é… venha, ela é que pode ajudá-la muito…” e conversas aqui e ali, onde os mais curiosos param para me fazer algumas perguntas, surgem relatos de histórias de Macau, das suas ligações a Macau e Portugal e da importância atribuída as estes encontros do PCB na manutenção da cultura e identidade macaenses.
A sala estava toda ornamentada com decoração chinesa. No centro estava a mesa com o jantar buffet, ao fundo, encostada à parede oposta da entrada da sala, estava a mesa das bebidas onde se destacava uma bebida macaense bastante adocicada feita de folha de figueira - Xarope de Figueira - e ao lado, outra mesa com toranjas e caixas vermelhas com caracteres dourados onde estão ainda por desembalar os variados bolos lunares, hoje em dia facilmente adquiridos, segundo me foi comentado, em qualquer supermercado chinês do Martim Moniz. O espaço estava desimpedido e as cadeiras todas colocadas em redor da sala. Junto à parede da entrada, estava a aparelhagem de som cujo microfone eu ofereci-me para ajudar a montar e assim, seguindo criteriosamente o programa da festa, com o fim do jantar, deu-se inicio às “cantorias”. As pessoas ali presentes começaram a agrupar-se à volta do microfone e dos placard de esferovite ali montados com as letras das músicas em grandes letras, para que toda a gente pudesse acompanhar as canções. A primeira delas foi o Hino do Partido dos Comes e Bebes, letra em patuá e especialmente escrita para o PCB por um macaense músico que vive no Brasil. O PCB tem um website (www.gentedemacau.com) criado em 2007 onde se pode ver o hino e a bandeira do partido, os seus fundadores, e organizadores, amigos e colaboradores, diagrama da comissão organizadora, calendário dos eventos, blog, fotografias de eventos passados e onde cada um dos associados tem o seu “cantinho” onde podem escrever sobre os temas que mais lhes aprazem. Outras “canções variadas” se seguiram ao hino, todas elas em patuá. As cantorias eram animadas, aliás, como todas as pessoas que ali estavam e que participavam ou assistiam aquele momento musical do qual fazia parte uma espécie de expressão corporal em que as mulheres apontavam a um homem, o fotógrafo de serviço, que por sua vez respondia da mesma maneira. Certamente, deveria ter a ver com o teor das letras das músicas que, sendo em patuá, eu não compreendia. O tom era de sátira e de certa forma comparável com a Revista Portuguesa, mas provavelmente sem o conteúdo político. ./..

1 comentário:

GinaB disse...

Não deixou escapar nada Marisa! Vamos esperar pela 2ª parte. Bom artigo :)